Com nome de novela, comunidade não tem água, luz e serviço postal. Mais de 3 mil famílias vivem de forma precária no 'Caminho das Índias', onde Crianças brincam com criatividade emSão Vicente. (VEJA MAIS E FOTOS)
Enquanto a tecnologia chega cada vez mais rápido ao alcance da maior parte das pessoas, uma comunidade em São Vicente, no litoral de São Paulo, vive no caminho inverso. Grande parte das mais de 3 mil famílias que moram no 'Caminho das Índias', no Jóquei Clube, não possuem energia elétrica, distribuição de água e nem serviço postal. Os moradores ocupam uma área de um antigo lixão e vivem em palafitas e barracos dentro de um mangue, expostos a vários tipos de doenças e tragédias, como recentes incêndios que destruíram dezenas de estruturas e colocaram a vida das famílias em risco. Apesar de tudo isso, os moradores ainda encontram humor para brincar. "Não aparecemos nem no Google", brinca um deles.
O fato de não aparecerem no Google não faz a menor diferença para os moradores. Vivendo em meio a sujeira, eles conseguem até achar graça da situação. Todos entram em consenso e cravam que o problema não é a empresa esquecer a existência deles. Eles acreditam que a grande questão é o fato de eles 'não existirem' para a Prefeitura da cidade, apesar de existirem como comunidade há mais de 30 anos. Em 1999, a desativação do lixão e a implantação da área de transbordo mudou a realidade de 2.312 famílias que ganharam casas de alvenaria. O problema é que as melhorias no local pararam por aí. Nos últimos 12 anos, a favela em torno do 'Caminho das Índias' não parou de crescer.
Com o crescimento, o que se vê são restos de construção de todo tipo, o que mostra que a taxa ocupacional do local deve aumentar ainda mais. Milhares de moradores que aguardam casas prometidas por um plano da Prefeitura jogam os detritos no rio. Como não há ruas, o correio não entrega as cartas e as únicas coisas que chegam pelo local, ocasionalmente, são as contas.
Entulho cobre área de mangue onde antes existiam palafitas. (Foto: Silvio Muniz/G1)
Alguns moradores acusam a prefeitura de querer 'se livrar' do problema de qualquer forma. Guilherme, por exemplo, afirma que recentemente houve uma sondagem da atual administração que pretendia retirar os moradores do local. O rumor não se consolidou. "Houve uma conversa de que as pessoas seriam mandadas de volta para a cidade de origem ou para alguns abrigos da região", reclama. Por medo de retaliações, Guilherme preferiu não revelar o sobrenome para a reportagem do G1.
Guilherme é uma das pessoas que tenta melhorar o acesso ao Caminho das Índias. Para evitar as enchentes, os moradores se reúnem para comprar caminhões de aterro e entulho. “Quando chove temos que sair com os sapatos nas mãos para não molhar. Um caminhão de cimento sai por R$ 120, mas conseguimos comprar por R$ 80", conta ele, que tenta de todas as formas mobilizar a comunidade para aterrar o maior número de locais.
A estimativa dos moradores é que morem na comunidade mais de 3.000 famílias. A água e a luz que chega para os cadastrados pela Prefeitura abastece as demais famílias. “Só tem água às 3h, quando ela tem mais pressão para chegar nas casas. Durante o dia todo a água corre como um fio, fraca”, explica Nanci Ferreira Calado, que mora há seis anos do Caminho das Índias.
Registros de luz são instalados em barracos sem seguir padrões de segurança. (Foto: Silvio Muniz/G1)
Além da água que chega aos barracos, a energia elétrica é outro problema bem mais perigoso por causa das possibilidades de um incêndio. Assim como a água, os barracos recebem energia por meio de ligações clandestinas que formam um emaranhado de fios de puxados pelos próprios moradores das casas “centrais”, instaladas por uma empresa terceirizada da CPFL. Quando novas casas precisam de energia, os moradores se juntam para comprar fios que serão esticados até onde for preciso. “Aqui eles não exigem nada. É só pagar que eles instalam. Querem só o dinheiro”, conta Guilherme.
Como resultado, nenhuma casa tem energia a 100% de potência. “A televisão tem que ficar com o volume baixo. O ventilador gira devagar e, quando a gente tenta tomar banho quente, corre sempre o risco de queimar o chuveiro, porque geralmente a água escorre como um fio”, conta Nanci.
Edmilson Boico, outro morador do Caminho das Índias, também reclama bastante da situação. “É muito comum os fios queimarem e deixarem todo mundo na mão. Esses dias um morador foi fazer um reparo no poste e os fios começaram a pegar fogo. A sorte é que ele estava com um capacete que acabou ficando totalmente queimado”, lembra. Boico explica que, por causa da sobrecarga, o único gerador que abastece o local sempre explode, deixando as casas sem energia. Por causa dos problemas com energia e da falta de estrutura, um grande incêndio atingiu o Caminho das Índias na véspera do natal de 2010.
Palafitas destruídas por incêndio estão no mesmo lugar oferecendo riscos (Foto: Silvio Muniz/G1)
Na ocasião, cerca de 18 barracos foram completamente destruídos pelo fogo. O Corpo de Bombeiro de São Vicente foi até o local, mas as estreitas vielas impossibilitaram a entrada da equipe, que teve que pedir reforço para os bombeiros de Santos e Praia Grande para conter o incêndio. Enquanto os bombeiros não chegavam, os moradores tentavam conter o fogo pegando baldes de água do rio e quebrando canos de água. Ninguém ficou gravemente ferido, mas as marcas do quase desastre ainda permanecem no mesmo lugar, em formas de estacas que faziam parte das estruturas dos barracos que incendiaram.
Mesmo com todos os problemas, a comunidade continua crescendo e vindo de outras favelas. Entre os novos moradores estão vítimas de incêndio, pessoas com falta de oportunidade e outras que não possuem mais para onde ir. Suellen Pereira da Silva e o marido, que trabalha como montador em uma empresa no Guarujá, mudaram-se há pouco tempo para o Caminho das Índias. O casal, que tem uma filha em idade escolar, aguarda a construção do barraco definitivo. Vindos da Comunidade da Vila Telma, o casal vive provisoriamente em um barraco alugado. Mesmo vivendo sobre um mangue, Suellen não sabia que o local sempre alaga. “Fazer o quê se a gente não tem para onde ir?”, questiona.
Procurada pelo G1, a Prefeitura de São Vicente informa que a comunidade está inserida dentro de um projeto que já atendeu 2.312 famílias. Mais 1.300 famílias devem ser beneficiadas com moradias nos próximos meses. A Prefeitura informa ainda que a Secretaria de Assistência Social oferece programas de geração de renda e promoção social aos moradores de áreas carentes e palafitas. Já as obras de aterramento, segundo a Prefeitura, estão sendo realizadas de acordo com os parâmetros ambientais necessários.
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Barracos continuam sendo construídos em locais onde ainda há vegetação (Foto: Silvio Muniz/G1)
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FONTE: G1Santos
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