O Brasil é o segundo maior consumidor de cocaína e derivados, atrás
apenas dos Estados Unidos, de acordo com o segundo Levantamento Nacional
de Álcool e Drogas (Lenad), feito pela Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp) e divulgado nesta quarta-feira (5). O estudo mostra que o
país responde hoje por 20% do mercado mundial da droga.
Ao
todo, mais de 6 milhões de brasileiros já experimentaram cocaína ou
derivados ao longo da vida. Entre esse grupo, 2 milhões fumaram crack,
óxi ou merla alguma vez e 1 milhão foram usuários de alguma dessas três
drogas no último ano.
Só nos últimos 12 meses, 2,6 milhões de
adultos e 244 mil adolescentes brasileiros consumiram cocaína sob alguma
forma. Destes usuários constantes, 78% aspiraram o pó, 5% fumaram
derivados e 17% usaram as duas formas. Além disso, 27% fizeram uso
diário ou superior a duas vezes por semana, e 14% admitiram já ter
injetado a droga na veia em alguma ocasião.
Segundo os autores
da pesquisa, coordenada pelo psiquiatra Ronaldo Laranjeira, essa é a
primeira amostra representativa da população brasileira sobre o uso e a
dependência de cocaína. Como é uma representação do país, a cidade de
São Paulo, por exemplo, teve mais participantes. Por essa razão, os
resultados dão uma noção mais precisa de onde o país se encontra hoje
entre os consumidores da droga.
O levantamento mostra, inclusive, uma mudança do papel no Brasil no
tráfico internacional. Antigamente, o país era usado como rota de
passagem para a cocaína, que seguia para os EUA ou para a Europa. Hoje
ela já para por aqui – até 60% da droga produzida na Bolívia tem o nosso
território como destino.
Nos rankings internacionais, as
informações sobre cocaína e derivados geralmente aparecem combinadas, já
que as substâncias vêm de uma pasta-base comum. Por isso, é impossível
afirmar que o Brasil seja o maior consumidor de crack do mundo hoje,
embora os pesquisadores acreditem nisso.
"Nenhum outro país tem
1 milhão de consumidores de crack atualmente", afirmou Laranjeira.
Pelos dados do Lenad, um em cada cem adultos brasileiros fumou crack no
último ano. Já nos países desenvolvidos, tem se notado uma diminuição do
uso de cocaína e derivados e um aumento das drogas sintéticas.
A pesquisa
O estudo entrevistou 4.607 pessoas com idade mínima de 14 anos, em 149
municípios das cinco regiões do país, sobre o consumo de cocaína
aspirada ou fumada. Ao todo, foram feitas mais de 800 perguntas, que
também avaliaram o uso de álcool, cigarro e outras drogas, como a
maconha – cujos dados foram divulgados no início de agosto.
A
presença da cocaína se mostrou três vezes maior nas áreas urbanas, com
principal incidência no Sudeste – 46% dos usuários, ou 1,4 milhão de
pessoas. Depois vêm o Nordeste (27%), o Norte e o Centro-Oeste (10%
cada) e o Sul (7%).
Consumo de cocaína e crack no último ano* País ou região Número de pessoas (em milhões)
EUA 4,1
Brasil 2,8
América do Sul (exceto Brasil) 2,4
Ásia 2,3
África Central 2,3
Reino Unido 1,1
Espanha 0,8
Leste Europeu 0,6
Canadá 0,5
Oceania 0,4
Caribe 0,3
África do Sul 0,3
América Central 0,1
* Dados da OMS
O contato com a droga começa cedo: quase metade (45%) dos usuários
provou a substância pela primeira vez antes dos 18 anos. Essa
experimentação precoce, de acordo com os pesquisadores, aumenta o risco
do uso de outras drogas ao longo da vida e da incidência de doenças
psiquiátricas.
Além disso, o estudo identificou que quase
metade (48%) dos consumidores de cocaína se tornou dependente e, destes,
30% disseram que pretendem parar nos próximos meses. Apenas 1% afirmou
que já havia procurado algum tipo de tratamento.
Ainda entre os
usuários de cocaína, 78% disseram que acham fácil conseguir a droga e
10% admitiram já ter vendido alguma parte do que tinham, ou seja, fazem
tráfico.
Porta de entrada
O levantamento não conclui
se a maconha é ou não uma porta para drogas mais pesadas, como a
cocaína e o crack. Apesar disso, a pesquisa aponta que 70% dos usuários
de cocaína também consomem maconha e 41% dos fumantes de maconha aspiram
ou fumam cocaína. No início de agosto, a Unifesp divulgou dados sobre
uso e dependência de maconha no Brasil.
Outros fatores que
contribuem para o uso de drogas no país, na opinião de Laranjeira, são a
melhoria das condições sociais e o baixo preço dos produtos, pelo menos
cinco vezes menor que no exterior. "No passado, a cocaína era a
champanhe das drogas, hoje é a cerveja", compara o psiquiatra.
Ele ressalta que, embora os usuários de crack sejam em menor número, a
preocupação é maior por causa da alta taxa de mortalidade: quase um
terço morre em um prazo de cinco a dez anos.
Apesar de todos
esses dados, os pesquisadores dizem que é difícil chegar a um número
aproximado de usuários de drogas no Brasil, e que ele deve ser bem
maior. Por isso, entre as perguntas do questionário, também estava uma
pergunta indireta, se as pessoas conheciam alguém que usa cocaína, e 22%
responderam que sim.
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