Os mais de 339 000 homens da Marinha, do Exército e da Aeronáutica viram
seus salários serem achatados ao longo dos anos, o que criou distorções
absurdas. Um comandante de porta-aviões, por exemplo, ganha menos que
um gráfico do Senado Federal.
Neste domingo, familiares de militares marcharam pela orla da Praia de
Copacabana no Rio de Janeiro em um protesto por aumento salarial. A
manifestação, batizada de “panelaço”, aproveitou a presença de
autoridades do governo e representantes internacionais no Forte de
Copacabana para a Conferência Rio+20 para dar visibilidade à causa.
Dados levantados pelo site de VEJA mostram a discrepância salarial entre
os militares – que somam um efetivo de 339 364 homens - e os demais
servidores públicos federais. Um operador de máquina do Senado Federal,
responsável por colocar em funcionamento as máquinas do serviço gráfico
da Casa, por exemplo, recebe salário de 14 421,75 reais. A vaga,
preenchida por concurso, exige apenas Ensino Fundamental completo.
Enquanto isso, um capitão-de-mar-e-guerra, o quarto posto mais alto
dentro da hierarquia da Marinha e responsável, por exemplo, por comandar
um porta-aviões, recebe remuneração de 13 109,45 reais. Veja outras
comparações salariais e quanto ganha quem comanda as tropas ao final
desta reportagem.
Os militares da ativa são proibidos de
se manifestar. Por isso, escalaram suas mulheres para ir às ruas. Ivone
Luzardo preside a União Nacional das Esposas de Militares (Unemfa) e é
uma das articuladoras do protesto deste domingo. Ela causou alvoroço em
março ao subir a rampa do Palácio do Planalto, em Brasília, de uso
restrito da presidente. Tudo para chamar a atenção para as
reivindicações salariais da categoria. Em maio, conseguiu entregar nas
mãos da presidente um ofício com um pedido de audiência. Não obteve
resposta. “O governo precisa separar a história da realidade”, afirma
Ivone. “Os militares assumiram o poder nos anos 1960 porque ninguém
queria um país comunista. Os que hoje estão no governo eram contra os
militares na época. Criou-se um revanchismo.”
Outro líder do movimento é o militar reformado Marcelo Machado. Ele
presidente a Associação Nacional dos Militares do Brasil, fundada há um
ano e com sede no Rio de Janeiro e em Brasília. “A insatisfação é geral.
Enquanto os comandantes das Forças Armadas têm salário de ministro, nós
ficamos a pão e água”, diz Machado. “Os colegas não podem se
manifestar, mas, por ser reformado, tenho sorte de ninguém poder me
punir.” O movimento vem ganhando força a ponto de as duas associações
terem marcado para 30 de agosto o 1º Congresso Nacional da Família
Militar.
Sob a condição de anonimato, pelo temor de represálias, militares da
ativa e da reserva aceitaram conversar com a reportagem do site de VEJA.
Eles narram uma rotina de dificuldades financeiras, endividamento e
condições precárias para as famílias de militares que são transferidos
de cidade. “Há militares com 25 anos de serviço em capitais que residem
em quarteis, em alojamentos paupérrimos, com a família a 200 quilômetros
de distância, onde podem pagar pelo aluguel”, relata um subtenente com
27 anos de Exército.
Um capitão do Exército da reserva aceitou mostrar seu contracheque (veja
detalhes na ilustração ao lado). Ele tem 60% de seu soldo, de 5 340
reais, comprometido com empréstimos e financiamento imobiliário. Ao
soldo somam-se gratificações pelo tempo de serviço e por especialização
na profissão que dobram o valor da remuneração. Mesmo assim, ele chega
ao final do mês com salário líquido de pouco mais de 3 000 reais depois
de 37 anos de dedicação às Forças Armadas. “A vida militar é um
sacerdócio, não um emprego. Tenho sangue verde-oliva”, diz o orgulhoso
senhor de 57 anos. “Porém, acho injusto um capitão contar o dinheiro
para poder trocar de carro enquanto um funcionário de nível médio do
Senado anda de automóvel importado.”
Entre as reivindicações das associações de familiares está o pagamento
imediato de um porcentual de 28,86%, concedido por lei aos servidores
públicos em 1993, durante o governo Itamar Franco, mas nunca entregue
aos militares. Em 2003, o Supremo Tribunal Federal editou uma súmula
garantindo o pagamento às tropas. Em 2009, a Advocacia-Geral da União
reconheceu a decisão. De acordo com o Ministério da Defesa, no entanto, o
estudo para pagamento do reajuste está sob análise do Ministério do
Planejamento. “A implementação de novos valores dependerá de análise do
governo federal, observada a conjuntura econômico-financeira do país”,
informou a Defesa. O ministério informou ainda que tem dialogado com o
Planejamento “visando a melhoria da remuneração dos militares das Forças
Armadas”. Não há, no entanto, previsão de quando pode haver uma
resolução sobre o assunto.
Em 2011, a folha de pagamento das três Forças somou 46,56 bilhões de
reais, sendo 17,54 bilhões de reais destinado ao pessoal ativo e 29,02
bilhões de reais para inativos e pensionistas.
Fuga da carreira militar - A pouca atratividade financeira da carreira
tem feito minguar os quadros das Forças Armadas. Levantamento feito com
base em dados do Diário Oficial da União mostra que, de janeiro de 2006
até maio de 2012, 1 215 militares deixaram a carreira. O Exército foi a
força que mais perdeu pessoal, 551 homens, seguido pela Marinha, 405, e
Aeronáutica, 229. Os detalhes estão no gráfico abaixo. O estudo foi
organizado pela assessoria do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ),
porta-voz das tropas no Congresso. “Tem muitos oficiais saindo para
ganhar mais em outras áreas. E o gasto que o governo tem para formar um
militar é altíssimo”, afirma Bolsonaro. “O governo usa o pretexto da
indisciplina para nos subjugar.”
As associações de familiares procuraram um por um os parlamentares para
pedir a eles apoio para pressionar o governo Dilma Rousseff a conceder
aumento. Os apelos tiveram pouca reverberação no Congresso. Além de
Bolsonaro, apenas o senador Roberto Requião (PMDB-PR) deu sinais de
apoio à causa. Em audiência da Comissão de Relações Exteriores e Defesa
da Casa com o ministro da Defesa, Celso Amorim, Requião falou sobre a
necessidade de valorizar a carreira militar e sugeriu o agendamento de
um encontro na comissão, com a presença do ministro, para tratar do
assunto. Até agora, nada está marcado, no entanto.
Promessas - Apesar de todos os entraves agora colocados pelo governo, um
plano de reajustes para a categoria estava previsto na Estratégia de
Defesa Nacional, lançada em 2008, durante o governo de Luiz Inácio Lula
da Silva, e, ainda, em uma carta da então candidata à Presidência Dilma
Rousseff, de 2010. Diz o documento assinado por Dilma e entregue à época
aos representantes das Forças Armadas: “Os índices de reajuste salarial
conquistados nos últimos dois mandatos presidenciais são uma garantia
de que continuaremos efetuando as merecidas reposições.” As tropas,
unidas, continuam à espera.
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